sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O cristão e a justiça com as próprias mãos

Tenho visto um aumento das discussões nas redes sociais sobre esquerda, direita, justiça, dignidade humana, etc. E tenho observado posicionamentos de cristãos sobre acontecimentos recentes na sociedade, principalmente o mais recente do menor delinquente que foi amarrado nu à um poste no Rio de Janeiro por um grupo de pessoas conhecidos na região por fazerem justiça com as próprias mãos.


Uma parte dos cristãos (pelo menos a que tem se manifestado) se diz a favor deste tipo de ato por ser uma forma de garantir a proteção dos cidadãos "de bem" e dar uma lição à um infrator, já que o aparelho do Estado que deveria fazer isso não cumpre muito bem suas funções (há diversas possíveis razões para isso, mas não entrarei na questão). Estes são os também considerados conservadores de direita. 

E um exemplo disso está no seguinte vídeo com a opinião da controversa jornalista Rachel Sheherazade, alegadamente cristã, sobre o acontecimento:


No vídeo ela diz que, mediante à situação da segurança pública do país, um ato como este dos justiceiros é justificável e compreensível. E observando a repercussão desta opinião e os comentários sobre, podemos ver que muitos cristãos estão concordando e a apoiando com falas como "me representa".

Na contrapartida estão se manifestando os esquerdistas, em geral defensores dos Direitos Humanos, argumentando que o que aconteceu com o garoto foi outro crime. Que não cabe à população fazer justiça com as próprias mãos, pois já temos instituições responsáveis por isso. Que este tipo de atitude apenas vai gerar mais violência da parte do garoto e de seu grupo.

O problema do conservadorismo cristão diante da justiça com as próprias mãos


A concordância e o apoio de alguns cristãos que, geralmente influenciados pelo pensamentos conservadores e de seus exponentes, se comportam em favor da humilhação do ser humano caso ele "mereça" e da justiça aplicada com as próprias mãos pode afastá-los de algumas das principais mensagens do evangelho: a dignidade humana, o amor ao próximo e a ponte para salvação.

Dignidade humana

E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra.
E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. Gênesis 1:26-27
Fomos criados à imagem e semelhança de Deus, e ainda que não tenha sido na totalidade de seus atributos, somos seres de maior dignidade do que o restante da criação. Além de maior dignidade, diferentemente do restante da criação, fomos criados diretamente, pela mão de Deus, enquanto os outros seres foram criados pela Palavra. E por esta criação especial e com propósitos, Deus nos abençoou com honras e glórias, ainda que maculados pelo efeito do pecado Ele tem um relacionamento especial, em relação ao restante da criação, com todos os seres humanos.
Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que ali firmaste,
pergunto: Que é o homem, para que com ele te importes? E o filho do homem, para que com ele te preocupes?
Tu o fizeste um pouco menor do que os seres celestiais e o coroaste de glória e de honra. Salmos 8:3-5

Amor ao próximo


O ensinamento de amor ao próximo que Jesus Cristo deixou é muito conhecido, mas mal interpretado pela sociedade, que cobra que os cristãos sigam este ensino. Porém, as pessoas que nos fazem esta cobrança querem apenas o que convém quando nos pedem para imitar a Cristo. Querem que o sigamos e acolhamos os pecadores, mas não querem que façamos o que Jesus fazia em seguida orientando o caminho correto, como no caso da mulher adúltera.
Então Jesus pôs-se de pé e perguntou-lhe: "Mulher, onde estão eles? Ninguém a condenou? "
"Ninguém, Senhor", disse ela. Declarou Jesus: "Eu também não a condeno. Agora vá e abandone sua vida de pecado". João 8:10-11
Um dos problemas que vejo nos cristãos que apoiam justiça com as próprias mãos e demonstram até um certo prazer nestas situações me faz lembrar a parábola do bom samaritano.
Certa ocasião, um perito na lei levantou-se para pôr Jesus à prova e lhe perguntou: "Mestre, o que preciso fazer para herdar a vida eterna? "
"O que está escrito na Lei? ", respondeu Jesus. "Como você a lê? "
Ele respondeu: " ‘Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma, de todas as suas forças e de todo o seu entendimento’ e ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’".
Disse Jesus: "Você respondeu corretamente. Faça isso, e viverá".
Mas ele, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: "E quem é o meu próximo? "
Em resposta, disse Jesus: "Um homem descia de Jerusalém para Jericó, quando caiu nas mãos de assaltantes. Estes lhe tiraram as roupas, espancaram-no e se foram, deixando-o quase morto.
Aconteceu estar descendo pela mesma estrada um sacerdote. Quando viu o homem, passou pelo outro lado.
E assim também um levita; quando chegou ao lugar e o viu, passou pelo outro lado.
Mas um samaritano, estando de viagem, chegou onde se encontrava o homem e, quando o viu, teve piedade dele.
Aproximou-se, enfaixou-lhe as feridas, derramando nelas vinho e óleo. Depois colocou-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e cuidou dele.
No dia seguinte, deu dois denários ao hospedeiro e disse-lhe: ‘Cuide dele. Quando voltar lhe pagarei todas as despesas que você tiver’.
"Qual destes três você acha que foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes? "
"Aquele que teve misericórdia dele", respondeu o perito na lei. Jesus lhe disse: "Vá e faça o mesmo". Lucas 10:25-37
Temo que quando cristãos estão achando justa a punição com as próprias mãos, eles estão se parecendo mais com o levita e com o sacerdote que, vendo o homem, passaram pelo outro lado, do que com o samaritano, que foi o próximo e amou o caído como a si mesmo. Estes homens que são amarrados em postes, são espancados nas ruas e marginalizados devem sim sofrer as consequências pelos seus atos, mas quem deve aplicá-los, salvo a legítima defesa, é o Estado, que é o elemento constituído para punir, como reconheceu Jesus, que apesar de inocente, quando condenado como criminoso reconheceu que era o governador Pilatos quem havia sido constituído para aplicar a punição.
"Você se nega a falar comigo? ", disse Pilatos. "Não sabe que eu tenho autoridade para libertá-lo e para crucificá-lo? "
Jesus respondeu: "Não terias nenhuma autoridade sobre mim, se esta não te fosse dada de cima." João 19:10-11a
Nossa mensagem de amor ao próximo não é apenas um ato social benevolente, um acolhimento cego ou algo romântico e raso. Nossa mensagem de amor é uma ordenança deixada por Jesus Cristo. É a luz para o mundo. É como o mundo nos verá e saberá que estamos com o Pai. Nosso comportamento é observado pelo mundo para que brilhe não de forma hipócrita e legalista, mas como um fruto verdadeiro do nosso relacionamento com o Pai diante dos homens. Opiniões como a destes que defendem a humilhação e a justiça com as próprias mãos podem ser um desserviço ao evangelho diante dos homens.
Assim brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus". Mateus 5:16

Porta para salvação


Temo também, e com mais tristeza, que quando estamos apoiando e nos alegrando com atos de indignidade humana, de justiça com as próprias mãos, falta de compaixão e amor, estamos nos impedindo de abençoar estes criminosos e marginalizados que diante de Deus são tão pecadores e carecedores da graça de Deus quanto nós. Sendo assim, qualquer tipo de justiça com as próprias mãos deve nos ser injustificável, incompreensível e inaceitável. 

Diante de um mundo com tanta maldade e injustiça sendo feitas, temos que nos atentar para não sermos mais um dos propagadores e aplicadores destes males. Temos que tomar muito cuidado para, quando soubermos de algum desses marginais ou criminosos sendo "justiçados", olharmos para eles como antes disso tudo, pecadores. Criminosos merecem punição, e esta aplicada pelo Estado. Mas pecadores carecem da graça de Deus, a qual nós somos canais.

Concluindo, deixo esta passagem do momento da crucificação de Cristo. Que isso mexa com o coração de vocês como mexeu com o meu. E que tenhamos cuidado para não impedirmos a nós mesmos de levar a mensagem de salvação à toda criatura.
Dois outros homens, ambos criminosos, também foram levados com ele, para serem executados.
Quando chegaram ao lugar chamado Caveira, ali o crucificaram com os criminosos, um à sua direita e o outro à sua esquerda.
Jesus disse: "Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que estão fazendo". Então eles dividiram as roupas dele, tirando sortes.
O povo ficou observando, e as autoridades o ridicularizavam. "Salvou os outros", diziam; "salve-se a si mesmo, se é o Cristo de Deus, o Escolhido".
Os soldados, aproximando-se, também zombavam dele. Oferecendo-lhe vinagre,
diziam: "Se você é o rei dos judeus, salve-se a si mesmo".
Havia uma inscrição acima dele, que dizia: ESTE É O REI DOS JUDEUS.
Um dos criminosos que ali estavam dependurados lançava-lhe insultos: "Você não é o Cristo? Salve-se a si mesmo e a nós! "
Mas o outro criminoso o repreendeu, dizendo: "Você não teme a Deus, nem estando sob a mesma sentença?
Nós estamos sendo punidos com justiça, porque estamos recebendo o que os nossos atos merecem.
Mas este homem não cometeu nenhum mal".
Então ele disse: "Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu Reino".
Jesus lhe respondeu: "Eu lhe garanto: Hoje você estará comigo no paraíso". Lucas 23:32-43
À Deus toda a glória!

Nenhum comentário:

Postar um comentário